domingo, 10 de agosto de 2008

A GRAMÁTICA NÃO PODE SER A ÚNICA INSTÂNCIA PARA SE LER E ESCREVER BEM

A GRAMÁTICA NÃO PODE SER A ÚNICA INSTÂNCIA PARA SE LER E ESCREVER BEM

JOSÉ MARIA V. MARANHÃO- 4º PERÍODO DE LETRAS


Atualmente a educação está passando por sérias crises de identidade, ou seja, todo currículo escolar está sendo trabalhado sobre diversas pressões sociais, mas além das necessidades econômicas, os pais também agem no processo do ensino-aprendizagem. Por conta da dificuldade de se ingressar no mundo do trabalho, os pais cobram dos professores uma aula extremamente funcional, onde o que deve ser ensinado para seu filho tem que ser exatamente igual aquilo que ele mesmo aprendeu.
Em se tratando de língua portuguesa, é muito comum os pais exigirem dos professores o ensino de “pontos” gramaticais, que julgam ser elementares para saber ler e escrever bem. Existem pessoas que retiram seus filhos de uma escola porque o livro didático adotado não ensinava temas indispensáveis como “sinônimos”, “coletivos”, etc. Cobram dos docentes uma postura extremamente rígida no que diz respeito à gramática, eles esperam que os discentes saiam da sala de aula sabendo escrever perfeitamente, mais ainda, que sejam escritores brilhantes, estando a gramática como a solucionadora de todos esses problemas.
Ora, os escritores são os primeiros a dizer que a gramática não é tão boa assim, vários dos grandes escritores brasileiros, quando perguntados sobre o tema, afirmaram que não sabem muito ou não gostava dela. Carlos Drummond de Andrade afirma “preciso de adjetivos para qualificá-la”, e no poema “Aula de português”, também expressa sua opinião diante do “mistério” das figuras da gramática, esquipáticas, que compõe “o amazonas de minha ignorância”. No livro Língua e Liberdade, Celso Pedro Luft relata que quando Machado de Assis abriu a gramática de um sobrinho, espantou-se com sua própria “ignorância” por “não ter entendido nada”. Grandes escritores afirmaram que não dominam esse livro normativo, vem uma indagação: Será que ele é tão importante assim? “Um ensino gramaticalista abafa justamente os talentos inertes, insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, medo à expressão livre e autêntica de si mesmo” (Perine, apud Bagno, 1997, p. 65).
Segundo Perini (1997), “na fase em que a criança mais deveria se desenvolver, ela é barrada por uma série de normas que abafam seus talentos, sua vontade de escrever aquilo com o qual ela se identifica, não pode ser satisfeita e tudo que deveria ser feito com prazer passa a ser feito por obrigação ou castigo, com a pedagogia do medo”.
Hoje se sabe que os primeiros gramáticos do ocidente, os gregos, só foram elaborá-la no século II a.C., mas que muito antes diziam já existir na Grécia uma rica literatura, que é lembrada até os dias atuais por sua influência em toda cultura Ocidental. A Ilíada e a Odisséia já eram conhecidas no século VI a.C., nesta mesma época, outros tantos autores famosos como Ésquilo, verdadeiro criador da tragédia grega, já havia escrito suas obras primas. E que gramática eles usavam? Provavelmente, nenhuma. Como puderam escrever tão bem em suas línguas sem utilizar nenhuma normatização?
As gramáticas surgiram precisamente para descrever e “fixar” como regra padrão a maneira como alguns ricos, considerados dignos de admiração e modelo a ser imitado, falavam e escreviam. Então dentro de uma sociedade de classes sociais distintas, apenas uma classe, a minoria, é escolhida para refletir todas as realidades lingüísticas. A partir dessa concepção, toda adversidade de falares gregos, dos pobres, passa a ser subordinada a um falar estilizado, com suas particularidades e falhas, que pouco se relacionava com a realidade dos menos afortunados. Com isso, o falar das camadas mais humildes passou a ser considerado vulgar ou errado, deixando a impressão que desde aquele tempo a gramática foi inventada pelos ricos e para os ricos.
“Saber gramática, ou mesmo falar português, é geralmente considerado privilégio de poucos. Raras pessoas se atrevem a dizer que conhecem a língua. Tende-se a achar que se fala “de qualquer jeito”, sem regras definidas. Dois fatores principais contribuem para essa convicção tão generalizada: primeiro, o fato de que falamos com uma facilidade grande, de modo sem pensar. Segundo, o ensinar escolar incentivou, durante anos, a se conhecer a nossa língua” (Perini, 1997).
Bagno, citando Possenti (2005, p. 64), revela que os fatores que produzem diferenças na fala de pessoas são externos à língua. Os principais são os fatores geográficos, de classe, de idade, de sexo, de etnia, de profissão, etc.
Sabendo que a fala dos povos pode variar de pessoa para pessoa, torna-se difícil compreender que os falares não variam, pois a língua é extremamente dinâmica e revela a identidade de cada nação ou localidade. Tentar repassar a língua por medo de sua evolução vai contra sua função primordial, de nomear matérias novas e acompanhar a evolução social e científica.
As plantas só existem porque os livros de botânica as descreveram? É claro que não. Os continentes só existem por que alguém desenhou um mapa? Também não. Do mesmo modo ocorre na língua. O conhecimento não se concentra num livro, deve-se ter em mente a imensidão da língua para depois se fazer qualquer tipo de analogia. Como disse um professor, “a língua é como um rio caudaloso que nunca pára, a gramática normativa é apenas um igapó”.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond. Aula de Português. Poema
BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. São Paulo, Loiola, 2005.
CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo, Ática, 1992.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Nova Fronteira S/S. Rio de Janeiro, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo. Paz e Terra S/A, 1996.
PERINI, Mario. Sofrendo a gramática. Ensaios sobre a linguagem. Rio de Janeiro. Ática, 1997.
POSSENTI, Sírio. A língua não é uniforme. In FARACO E TEZZA. Prática de texto. 8ª ed. RJ. Vozes, 2001.

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